Intelecto e Alma em Tomás de Aquino (3/13)
Este texto dá continuidade às análises que realizei anteriormente sobre a “Suma Teológica” de Santo Tomás de Aquino, onde explorei os Artigos 1 e 2 da Questão 79. Nos textos anteriores, abordamos os fundamentos do intelecto humano, conforme delineados por Aquino, investigando como ele concebe nossa capacidade de conhecer de forma geral e como discernimos a verdade a partir de percepções sensoriais. Agora, no Artigo 3, aprofundamo-nos na função do intelecto agente, um conceito importante para entender como os seres humanos transformam percepções sensoriais brutas em conhecimento teórico e abstrato.
Santo Tomás de Aquino, nesse Artigo 3, discute a necessidade de um intelecto agente para explicar como os seres humanos adquirem conhecimento teórico e prático. Ele parte da premissa de que as formas das coisas materiais não são automaticamente compreensíveis; elas precisam ser transformadas para se tornarem conhecimento. Inspirando-se em Aristóteles, Aquino introduz o conceito de intelecto agente como uma potência da alma que ilumina e abstrai essas formas, tornando-as compreensíveis, de maneira semelhante à luz que torna as cores visíveis ao olho.
Para entender melhor, considere um exemplo simples: você está em uma sala escura olhando para um livro. O livro está ali, mas, sem luz, você não consegue ler as palavras. Quando a luz é acesa, as palavras se tornam visíveis. Neste cenário, a luz funciona como o intelecto agente, que ilumina a informação sensorial — como a visão de um livro — permitindo que entendamos e processemos essa informação de forma significativa.
Outro exemplo é quando observamos uma árvore. Captamos informações sensoriais, como a cor e a textura das folhas, mas é o intelecto agente que transforma essa percepção em um conceito de “árvore”, permitindo-nos compreender e pensar sobre árvores em geral, e não apenas sobre a árvore específica que estamos vendo.
Bom, Aquino também discute o intelecto possível, em contraste com o intelecto agente. Se o intelecto agente é como a luz que permite ler as palavras, o intelecto possível é como uma página em branco na mente, pronta para registrar as informações compreendidas. Após o intelecto agente iluminar os dados sensoriais, o intelecto possível guarda essa informação, facilitando a memória e a reflexão futura. Este processo, descrito por Aquino, é crucial para entender como passamos do potencial de conhecimento para o conhecimento ativo, fundamentando nossa capacidade de pensar, aprender e entender conceitos complexos.
Como complemento, vale que registrar que na página 531, na solução ao Artigo 3, Santo Tomás escreve:
Ora, nada passa da potência ao ato senão por um ser em ato; assim, o sentido torna-se atual pelo sensível atual. Logo, é necessário admitir-se uma virtude, no intelecto, que atualize os inteligíveis, abstraindo as espécies das condições materiais. E essa é a necessidade de se admitir um intelecto agente.
Para desdobrar esse pensamento, Aquino está explicando como a transformação de informações não processadas (em potência) para um estado compreensível e útil (em ato) requer uma força ou capacidade ativa dentro do intelecto. A analogia utilizada pode ser comparada à maneira como nossos sentidos reagem a estímulos reais e presentes: assim como o olho precisa de luz para ver objetos, o intelecto necessita do intelecto agente para entender e formular pensamentos sobre esses objetos.
O intelecto agente, portanto, é descrito como uma virtude do intelecto que tem a capacidade de transformar os dados sensoriais — que são abstratos e não-imediatamente acessíveis — em formas “inteligíveis”, ou seja, em conceitos que podemos entender e sobre os quais podemos refletir. Este processo envolve a abstração, que é o ato de destilar as qualidades essenciais de um objeto sensorial, despojando-o de suas particularidades materiais, o que permite que essas formas sejam universalmente aplicáveis e compreendidas.
Em contraste, o intelecto possível é a faculdade que recebe e armazena essas formas abstraídas pelo intelecto agente. Repito: é como uma tela em branco ou uma página vazia, que é preenchida pelo conhecimento transformado e tornado acessível pelo intelecto agente. Este processo não é apenas fundamental para o conhecimento humano, como também sugere um sistema sofisticado de interação entre diferentes capacidades do intelecto, cada uma desempenhando um papel específico na maneira como compreendemos o mundo ao nosso redor.
Ao introduzir esses conceitos, Aquino fornece uma base filosófica que antecipa questões que seriam estudadas pela psicologia e neurociência modernas, como a maneira como percebemos, processamos e armazenamos informações. A discussão sobre o intelecto agente e o intelecto possível revela um entendimento profundo da complexidade da mente humana e da natureza do conhecimento.
Por fim, além da “Suma Teológica", deixo aqui a indicação de leitura da seguinte obra:
— Verschuuren GM. Aquinas and Modern Science: A New Synthesis of Faith and Reason. Angelico Press; 2016.
Este livro explora como as ideias de Santo Tomás de Aquino ainda são relevantes para várias áreas da ciência moderna.