Intelecto e Alma em Tomás de Aquino (2/13)
Ref.: Se o intelecto é uma potência passiva — Art.2 da Questão 79, 1a Pars, da Suma Teológica.
São Tomás de Aquino, na Questão 79 da “Suma Teológica”, explora no Artigo 2 se o intelecto é uma potência passiva, ou seja, capaz de receber e processar informações de maneira imaterial. Ele estabelece uma diferença entre o intelecto humano e o angélico ao discutir como cada um se relaciona com seus objetos de conhecimento, os inteligíveis. São Tomás explica que o intelecto angélico está sempre em atividade ou em “ato” em relação aos seus inteligíveis, pois está mais próximo do intelecto divino, que é “puro ato”, sem potencialidade. Isso significa que os anjos têm uma capacidade contínua e direta de conhecer sem a necessidade de aprender ou de processar informações ao longo do tempo. Veja, isto reflete uma visão única sobre a natureza da cognição angelical. Os anjos não passam por um processo de aprendizado progressivo ou de aquisição de conhecimento ao longo do tempo. Em vez disso, seu conhecimento é instantâneo e completo em relação ao que lhes é possível conhecer. São Tomás argumenta que os anjos, por serem puramente espirituais e não materiais, não precisam de imagens sensoriais ou de abstrações a partir da matéria para conhecer as coisas. Eles recebem seu conhecimento diretamente de Deus, conforme a medida de sua criação e graça. Esta forma de conhecimento é chamada de “visão direta”, ao contrário do “discurso” ou raciocínio que nós humanos frequentemente usamos, que envolve mover-se de um conhecimento adquirido para outro ainda desconhecido.
Bom, neste sentido, o intelecto humano, que está na posição mais baixa entre os intelectos e é o mais distante da perfeição do intelecto divino, é descrito por São Tomás como sendo potencial em relação aos seus objetos de conhecimento. Em outras palavras, ao contrário dos anjos, os serem humanos têm a capacidade de desenvolver seu conhecimento. Inicialmente, o intelecto humano é como uma tela em branco, sem conhecimento ativo, mas tem o potencial de aprender e entender ao receber e abstrair as formas das coisas do mundo material. Este aspecto do intelecto humano como uma potência passiva — capaz de receber formas sem matéria — é crucial. Permite ao intelecto abstrair a essência dos objetos sem a presença física deles, uma habilidade que fundamenta nossa capacidade de alcançar conhecimentos universais, transcender os detalhes físicos dos objetos e entender conceitos abstratos. Esta capacidade de abstração é essencial para a formação de conhecimento, destacando como o intelecto humano, embora inferior ao angélico em termos de sua proximidade com a perfeição divina, é singularmente capaz de crescimento e aprendizado através da experiência e da reflexão.
Entender a natureza do intelecto, tanto na sua forma angélica quanto humana, é crucial não apenas para aprofundar nosso conhecimento sobre as teorias filosóficas de São Tomás de Aquino, mas também para enriquecer nossa compreensão sobre a própria essência da cognição humana. Esta compreensão nos ajuda a perceber como nós, como seres humanos, nos situamos em relação ao mundo e ao divino, dando-nos informações valiosas sobre nossa capacidade de conhecer e aprender. Além disso, ao explorar essas distinções intelectuais, ganhamos uma maior apreciação da nossa singularidade como criaturas dotadas de racionalidade e liberdade.
Nesta linha, o Artigo 3 da Questão 79 (que trataremos aqui num texto subsequente) aborda uma questão fundamental: se se deve admitir um intelecto agente. Aqui, São Tomás de Aquino explora a ideia de que, além do intelecto passivo, que recebe e processa informações, existe um intelecto agente, cuja função é iluminar e tornar inteligíveis as imagens percebidas pelos sentidos. Esse intelecto agente atua como uma força ativa dentro da alma que capacita o ser humano a abstrair as formas universais das percepções sensoriais particulares. Esta discussão não só avança na compreensão da complexidade do processo cognitivo humano como também destaca a dinâmica entre a passividade e a atividade no âmbito do intelecto, reforçando a ideia de que a mente humana possui uma capacidade única de transformar a experiência sensorial em conhecimento conceitual abstrato.
Sugestões de leituras:
“Aquinas”, de Eleonore Stump. Publicado em 2005 pela Routledge. Especialmente, os capítulos 7, 8 e 9.
“Angles and Demons: A Catholic Introduction”, de Serge-Thomas Bonino. Publicado em 2016 pela The Catholic University of America Press.